A transformação digital e a disruptura da publicidade

Alexandre Kavinski

19 Maio 2021
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Artigo publicado originalmente no Digital, em 14/05/2021, disponível em: https://digitalks.com.br/artigos/a-transformacao-digital-e-a-disruptura-da-publicidade/ 

Transformação Digital: Precisamos entender de onde viemos para pensar para onde vamos

Varejo, comunicação, educação, financeiro, agricultura, saúde, transporte. Não há mercado que não esteja passando por algum processo de disruptura graças à Transformação Digital. E isso acontece há pelo menos uns 20 anos. 

Porém, em que estágio estamos agora? Como tudo que envolve uma transformação, é impossível passar por esse processo sem sofrer as dores de mudar, se adaptar, se preparar, se digitalizar, se antecipar e, quem sabe, se reinventar.  

Mas o mercado de publicidade foi, talvez, um dos primeiros e mais afetados, pelo fato de duas das maiores empresas de tecnologia responsáveis pela Transformação Digital terem como principal fonte de receita a publicidade. Sim, falamos de Google e Facebook.

Essa transformação começou quando o Google iniciou a venda de espaço publicitário no modelo de leilão, conhecido como link patrocinado, mais precisamente em 2000. E nada mais foi como antes. 

 

Um novo formato de publicidade

O efeito foi muito pouco percebido no início. O número de internautas no Brasil naquela época não passava de 5% da população brasileira e boa parte do investimento em mídia ainda tinha como destino a TV e grandes veículos de comunicação. Mesmo no digital, os grandes investimentos ainda eram focados nos portais e o Google era mais explorado por empresas independentes do que grandes anunciantes.

O formato do Google, porém, era superior e já trazia resultados bem mais expressivos que os portais, mas, como a empresa não estava presente no Brasil até 2005, a compra de mídia acontecia em dólar, com pagamento para o exterior – o que inibiu que muitos dos grandes anunciantes e agências pudessem explorar o poder da ferramenta.

Os primeiros a fazerem a transição de modelo de compra foram os grandes varejistas on-line, que compravam a mídia digital sem intermediação de agências. Os e-commerces, ao perceberem a superioridade dos resultados de busca, migraram boa parte de suas verbas de portais para o Google e deram início a um caminho sem volta.

Interessante frisar que no mesmo ano de 2005 o Google adquiriu a ferramenta de análises estatísticas Urchin, tornando-a gratuita, repaginada e renomeada como Google Analytics (GA). A partir daí, tivemos a democratização das ferramentas analíticas. Agora, não só oferecia um formato de compra de mídia totalmente diferenciado, baseado em resultados e não impressões, mas também oferecia sem nenhum custo adicional ferramentas para comprovar tais feitos.

A cauda longa dos anunciantes

Já baseados no Brasil, precificação e compra em reais, a ferramenta passou a atrair outros tipos de anunciantes. Ao contrário de grandes veículos, o Google permitia que qualquer um que tivesse acesso à publicidade on-line e uma verba tão pequena quanto cinquenta reais pudesse anunciar na plataforma. Até então, somente as páginas amarelas e classificados locais eram acessíveis aos pequenos negócios.

Esse me parece ter sido o movimento mais importante de democratização da tecnologia daquele período. Qualquer um poderia abrir uma conta. Seja um chaveiro de bairro ou uma empresa de suplemento alimentar (primeiro anunciante do Google no Brasil, inclusive). Os anúncios eram em texto, o que permitia que praticamente qualquer um que pudesse ler ou escrever pudesse criá-los.

Como as agências ficaram nessa história

As agências, na maioria dos casos, notoriamente reconhecidas pelo seu lado criativo, não viam como muito atraentes anúncios neste formato e que respondiam a uma sentença de busca específica. Muitas tentavam convencer o Google a permitir anúncios gráficos sem sucesso e acabaram adiando a entrada de seus anunciantes num dos formatos mais bem sucedidos da história da publicidade.

Além disso, as agências estavam acostumadas a trabalhar no modelo de bonificação por volume, o famoso BV, onde quanto maior a verba e investimento no ano, maior a bonificação. E assim monetizavam seu trabalho de planejamento e compra de mídia – formato que o Google não oferecia até então e até hoje não oferece para seus serviços de busca.

Com a baixa penetração nas grandes, quem acabou ocupando este espaço à época foram pequenas e médias agências especializadas em links patrocinados, algumas vezes cooptadas para dar suporte, mas em grande parte ignoradas no contexto maior da publicidade brasileira. Eram as chamadas Agências de Performance.

Há pouco mais de uma década, os buscadores já eram um dos principais formatos de compra de mídia digital. Em maior parte graças ao long tail de anunciantes, que já não aceitavam mais ficar de fora deste espaço importante de veiculação.

Nesta época, a internet brasileira já era bem mais significativa também. O número de internautas havia subido de quase 5% da população para expressivos 40 milhões de brasileiros, sendo que praticamente a totalidade era usuária de ferramentas de busca, onde o Google dominava mais de 90% desta fatia.

O movimento de internalização

Muitos anunciantes, órfãos da categoria de links patrocinados nas agências, já haviam contratado agências de performance ou, em muitos casos, já anunciavam por conta própria no formato de autosserviço. 

Ao mesmo tempo, o Google já era então uma das principais referências globais de empresa digital e não era difícil se aproximar das grandes marcas. Foi quando muitas agências passaram a procurar parcerias ou até mesmo aquisições de agências digitais de performance.

Em 2011, foi a vez das redes sociais chegarem com força ao Brasil representadas especialmente pelo Facebook e, na publicidade, participar deste mercado começou a se tornar uma questão de sobrevivência.

Foi neste mesmo período que trabalhar links patrocinados não era mais uma rotina tão simples. Eram necessários conhecimentos mais profundos das ferramentas que haviam se tornado mais complexas com seus diferentes formatos e métodos inovadores. As grandes agências tiveram em sua maioria muita dificuldade em acompanhar esta transição.

Hoje, links patrocinados respondem por cerca de 50% da publicidade no Brasil (dados da pesquisa Intermeios) e boa parte das agências já aderiram ao formato, ou, como vimos, adquiriram agências especializadas.

Inteligência Artificial impôs novo desafio

O que ninguém contava é que desde 2010 uma nova transformação estava em ebulição: a chegada da Inteligência Artificial nas grandes empresas de tecnologia.

Em 2017, o Google (olha lá, ele de novo!) passou a apostar pesado em Inteligência Artificial e mais uma vez o mercado foi chacoalhado. Atualmente, é possível anunciar no Google com bastante sucesso sem ter um conhecimento mais aprofundado de seus mecanismos de anúncios, tudo porque a IA aliada a dados permitem um grau de sofisticação e personalização inatingíveis na gestão humana, o que acelerou ainda mais o processo de internalização da gestão de mídia.

Muitas agências, e agora especialmente as agências de performance, não estavam preparadas para esta mudança e estão neste momento ainda passando por dificuldades, já que boa parte do trabalho que antes ofereciam a seus clientes passou a ser automaticamente gerenciado por uma infinidade de dados e algoritmos complexos que conseguem não só ser muito mais assertivos, mas dispõem de alto poder preditivo.

O que vem por aí

A corrida do ouro acontece agora em torno da gestão e governança de dados. Acesse a área de vagas de qualquer agência, seja ela grande ou média, e há de se deparar provavelmente com várias vagas relacionadas a essa disciplina.

Tudo isso, é claro, até que uma nova onda de ferramentas e descobertas da inteligência artificial suplantem também estes serviços.

As agências chamadas tradicionais já deram ou devem dar a volta por cima: a grande ideia, que define e permeia toda a comunicação de uma marca e seus produtos, deve prevalecer, mas não será sem grandes mudanças e transformações tanto nos métodos, como também na maneira de precificar seus serviços. 

E, no final, a publicidade precisará continuar mudando e se reinventando para se manter relevante. Se promover grandes mudanças já é difícil, estar em constante estado de transformação é ainda mais desafiador.

Alexandre Kavinski


Pioneiro do mercado de search no Brasil, Kavinski é Chief Marketing Officer (CMO) da i-Cherry, agência de gestão de audiência do grupo WPP. Atua no mercado digital desde 1997, nos primórdios da internet. É pioneiro em Search Marketing e fundou a sua primeira agência de performance em 2000. Já atendeu diversas companhias ao longo de sua trajetória, ajudando marcas como Coca-Cola, Microsoft, Avon, Americanas, Ford, J&J, 3M e MasterCard. Após uma temporada de 4 anos no mercado americano, onde desenvolveu a área de Performance Marketing, incluindo search, social e mídia programática da Mirum EUA voltou ao Brasil no início de 2019 para aplicar novas práticas e processos na i-Cherry.

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